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domingo, 16 de novembro de 2014
MITCHEL RESNICK: "A TECNOLOGIA DEVE LEVAR O ALUNO A SER UM PENSADOR CRIATIVO"
Nos últimos anos, as escolas públicas vêm incorporando em suas atividades equipamentos como computadores, lousas digitais e projetores multimídia. Para os professores, no entanto, tem sido difícil desenvolver estratégias que usem esses recursos para ensinar os conteúdos. Na opinião de Mitchel Resnick, as novas tecnologias ainda servem com frequência para reproduzir um modelo tradicional, com aulas expositivas e pouca construção coletiva do conhecimento. "É necessário oferecer oportunidades para os jovens criarem projetos, experimentarem e explorarem novas ideias", diz. Só assim, de acordo com ele, será possível pensar o processo educacional de forma diferente e apoiar abordagens originais, que levem ao aprendizado com sentido. Resnick esteve em São Paulo em abril para participar do evento Transformar 2014.
Quando se fala em tecnologia, para muitos educadores a referência é um computador conectado à internet. Isso ainda faz sentido?
Há diversas formas de empregar a tecnologia nas salas de aula. Eu estou mais interessado no uso dela para criar abordagens inovadoras de ensino e aprendizagem. Até hoje, a maioria dos docentes se vale dos recursos tecnológicos para reproduzir o modelo de aulas expositivas, em que as informações são passadas aos estudantes. Não acredito que essa seja a melhor maneira de preparar crianças e jovens para o futuro. Na sociedade atual, tudo muda rapidamente. Por isso, em nosso trabalho de pesquisa no MIT, pensamos que a tecnologia deve levar o aluno a ser um pensador criativo, se desenvolvendo por meio de trabalhos coletivos que envolvam a experimentação de novas formas de se relacionar com o mundo.
Por que a cultura de aulas expositivas ainda é tão forte se não parece a forma mais eficaz de ensinar?
As escolas demoram demais para mudar. E essa forma de ensino, baseada na entrega de informações para os alunos, que é seguida por muitas delas, tem uma longa história. À primeira vista, pode parecer uma proposta mais eficaz apresentar os conteúdos de uma única forma para todos. Mas, claramente, isso não funciona, porque os estudantes são diferentes. Fazer a transição para outra abordagem não é simples nem rápido. Os professores precisam refletir sobre o processo educacional para poder apoiar e praticar projetos orientados por uma participação ativa e criativa da turma em classe.
O problema está na formação dos professores, que não são preparados para atuar nesse ambiente de interação?
Sim. Trabalhar desse modo requer formação, que muitos educadores não têm. Além disso, eles devem estar dispostos a dar aos alunos liberdade para explorar os próprios interesses. Essa abertura permite a eles o acesso a informações que talvez não tivessem e a realização de diferentes tipos de projeto.
Nessa interação, os docentes podem também aprender, não só ensinar.
Sim, esse é um ponto muito importante. Temos tradição no modelo de aprendizes, ou seja, quem quer aprender algo precisa trabalhar com um especialista no assunto. Na minha visão, o fundamental é aprender a ser um bom aprendiz, o que vale também para os professores. Eles não devem ter medo de não saber todas as respostas. Se isso ocorre, eles vão em busca delas junto com a turma.
Seu grupo no MIT estuda projetos que visam tornar a escola parecida com a Educação Infantil. De onde vem essa ideia?
Sempre fui fascinado pelo modo como as crianças pequenas aprendem e se relacionam. Nessa fase, elas passam muito tempo trabalhando em colaboração umas com as outras: constroem com blocos, pintam e desenham, aprendendo a transformar uma ideia em um projeto. Essa é uma das coisas mais importantes que alguém pode aprender. No Ensino Fundamental, o sistema escolar normalmente se transforma e adquire uma abordagem focada na mera transmissão de informação. Por meio do projeto Lifelong Kindergarten, atuamos na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, atividades e estratégias para que qualquer um possa aprender dentro do estilo do jardim de infância.
O projeto mantém centros de estudos para alunos com idade entre 10 e 18 anos. Que trabalho é desenvolvido nesses locais?
Começamos com os chamados Computer Clubhouses, centros de ensino frequentados no contraturno, projetados especificamente para alunos de comunidades de baixa renda. A ideia é proporcionar a eles oportunidades de aprender de forma criativa com novas tecnologias. Existem cerca de 100 espalhados pelo mundo - um deles no Brasil -, recebendo 200 crianças e adolescentes cada um.
Qual o perfil dos profissionais que trabalham nesses centros?
Alguns são meus alunos - cientistas da computação e engenheiros especializados em desenvolvimento de tecnologia. Outros são educadores, que atuam no desenvolvimento de estratégias de ensino. Designers e pessoas com formação em Arte também fazem parte do time. Talvez esta seja uma das razões fundamentais do nosso sucesso: trabalhar com pessoas de formações diversificadas.
A partir de que idade a tecnologia pode ser usada em aula?
Desde muito cedo. Temos de lembrar que a tecnologia é qualquer coisa criada depois que nascemos. Giz de cera é tecnologia. Anos atrás, ele era visto como algo totalmente novo. Hoje é considerado um material banal. Para pensar sobre todas as tecnologias, temos de adotar o mesmo raciocínio: como elas podem ser usadas de forma relevante por crianças de determinada faixa etária? Não se trata exatamente do que utilizar, mas de como.
De que forma os professores ao redor do mundo têm aproveitado a tecnologia?
Nesses anos todos, me deparei com experiências muito boas e vi coisas que me deixaram frustrado. Visitei, por exemplo, uma escola em Cingapura onde todos os alunos tinham laptop, mas o professor dava pontos aos que conseguiam responder às perguntas primeiro. Essa é uma forma muito ruim de usar a tecnologia. Por outro lado, fui a outros lugares com o mínimo de tecnologia, que era utilizada de maneira criativa. Na Índia, conheci uma escola que só tinha um computador, utilizado por diversas crianças para criar uma história. Depois, elas apresentaram um espetáculo de fantoches e o computador serviu para projetar o cenário.
Mesmo nas nações desenvolvidas, ainda há espaço para aprender como usar recursos tecnológicos nas salas de aula?
Sim, especialmente em países como o meu. A maioria das escolas norte-americanas emprega tecnologia digital para reforçar todo o processo de Educação. Ela ainda serve para passar informações aos estudantes, não para que eles tenham a possibilidade de criar e se expressar com o computador. Temos um longo caminho a percorrer nessa área.
Há muitas escolas no Brasil sem acesso à internet. É possível introduzir tecnologia no ensino sem equipamentos?
Em primeiro lugar, o mais importante é dar oportunidade às crianças de criar, projetar, experimentar e explorar. É perfeitamente possível fazer isso com materiais do dia a dia. As novas tecnologias podem aumentar o leque de possibilidades de aprendizagem, mas não são decisivas. O difícil é fazer o simples.
O que mudou nesses 20 anos de existência do projeto?
A mudança nas tecnologias foi imensa, mas nossa ideia sobre ensino e aprendizagem permanece a mesma.
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 273, JUNHO/JULHO 2014. Título original: "A tecnologia deve levar o aluno a ser um pensador criativo"
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